Esta introdução ao estoicismo irá misturar duas coisas, o que os antigos gregos e romanos realmente disseram nas doutrinas originais e como elas podem ter sido úteis para a perspectiva atual das coisas. O estoicismo é uma escola filosófica que nasceu na antiga Grécia e foi dominante na Roma antiga e que continua a ter coisas extremamente urgentes e importantes a ensinar sobre calma, resiliência e estabilidade emocional. Esta filosofia tem ideias que devem estar no centro de qualquer tentativa de permanecer sereno face a um mundo turbulento, imprevisível e muitas vezes mesquinho no qual se vive. O estoicismo tenta responder à questão: O que é filosofia? Epiteto, o estóico grego escreveu: “A filosofia não promete garantir nada externo para os humanos, caso contrário, seria admitir algo que está além do seu próprio assunto. Pois, assim como a madeira é o material do carpinteiro, o bronze é o da estatuária, a própria vida de cada indivíduo é o material da arte de viver.” O estoicismo trata de compreender e mudar toda a abordagem existente perante a vida, como uma filosofia prática, uma filosofia que pode mudar o comportamento e a atitude perante as adversidades que de uma forma ou de outra são inevitáveis .
Houveram vários estóicos notáveis: o primeiro foi Zeno, que viveu de 333 a 261 AEC, e a escola estóica tornou-se popular por Crispus. Após a morte de Zeno a maior parte dos manuscritos do estoicismo da antiga Grécia perderam-se e o que se sabe dos estóicos deve-se aos filósofos Epiteto, Séneca e Marcus Aurelius. A maneira de pensar para a maioria das pessoas é provavelmente algo semelhante ao hedonismo, de que a vida deve ser abordada numa perspectiva de maximizar o prazer, seja a curto ou longo prazo. O epicurismo, pelo contrário, é uma escola que existiu na mesma época que os estóicos e fundamenta-se na busca da moderação com o prazer como realidade última dos homens. Outra escola de pensamento, os cínicos, argumentaram que o desejo leva a ânsia e portanto a uma dor visto que as coisas desejadas nem sempre podem ser obtidas. Então a única maneira de viver uma vida feliz, segundo os cínicos, é não desejar nada e ter um estilo de vida ascético . A escola estóica argumentou que ambas as doutrinas estavam erradas. Segundo Séneca, o que o estóico procura é: “Como a mente pode sempre procurar um caminho firme e favorável, pode estar satisfeita com ela mesma e pode ver as suas condições com alegria”.
Os gregos dividiam o estoicismo em três partes: lógica, física e ética. Nenhum destes termos significa exatamente o que significam hoje. Lógica era a lógica convencional, mas também linguagem retórica, poesia, física e significava principalmente o estudo dos Deuses no mundo, essencialmente como tudo funcionava. A ética era o estudo de como viver uma vida boa ou excelente. Epicteto escreveu que se deve estudar ética porque é aquela que diz respeito ao impulso de agir e não agir e do comportamento geralmente apropriado, para que a ação seja feita de uma maneira cívica e ordenada, após devida reflexão perante as adversidades. O estudo da lógica porque está relacionada com a liberdade de engano, o julgamento precipitado e o agir de forma errada perante algumas situações. O estudo da física para perceber o mundo, porque é aquela relação aos desejos e aversões, ou seja, estudar o mundo para o conhecimento do que desejar e o do que evitar. A reflexão e o autoaperfeiçoamento foram fundamentais para o estudo destas áreas que segundo Epiteto, eram necessárias para viver uma vida boa.
A ética é o componente central e mais influente, tanto para os romanos quanto para a sociedade moderna. Para os gregos, as palavras ética e virtude têm significados ligeiramente diferentes do que tinham antigamente. A ética não se preocupa com o que é explicitamente certo ou errado, mas em cultivar um bom espírito para viver uma vida boa e praticar a sabedoria e a moral. Todas as escolas de pensamento gregas concordavam que viver uma vida boa era ser virtuoso, mas novamente, isso tinha um significado ligeiramente diferente, ser virtuoso era viver de acordo com a natureza, a natureza do mundo, a natureza dos outros, era viver como sempre foi suposto viver. Esta é uma das razões pelas quais estas doutrinas da lógica, física e ética são importantes, porque devemos estudar o mundo para saber como viver nele.
O filósofo Diógenes escreveu: “O primeiro impulso de um animal é a autopreservação, porque a natureza desde o início que o estima”. Isto envolve impulsos para comer, beber e procriar, mas centralmente também envolve um impulso para ser racional. Na verdade, usar a racionalidade é o impulso mais importante e deve ser priorizado acima de tudo. Porquê? Zeno dividiu o mundo em três coisas: as coisas que são boas, as coisas que são más e as coisas que são indiferentes, mas Zeno descobriu que é difícil encontrar coisas que são universalmente e infalivelmente boas. Em algumas situações, aquando da alimentação, é bom, mas nem sempre, às vezes é mau ou é prejudicial à saúde ou simplesmente é o fruto da ganância, porque há a possibilidade de comer muito e comer as coisas erradas. Portanto, para o filósofo Zeno, isto deve cair na categoria da indiferença. O mesmo se aplica à bebida, sexo, trabalho e afins. A única coisa que é sempre universalmente confiável e boa é a racionalidade, porque tem a função de alertar quando a comida é boa e quando é má, quando existe um exagero na quantidade ou quando há uma escassez dela. Podemos usar a racionalidade para viver de acordo com a nossa melhor natureza possível de virtude, é o único bem absoluto. Obviamente, é racional comer comida às vezes, quando a temos à frente e a fome aperta, o impulso racional é comê-la, mas deve existir indiferença à comida, porque independentemente da decisão de comer ou não comer, a decisão deve ser feita com confiança. Virtude e racionalidade são os únicos atributos nos quais se tem poder, ambas existem só dentro de nós e tudo o resto é externo, como tal, desejar e precisar de coisas externas é irracional. O único caminho para a tranquilidade é ser indiferente às coisas externas, aceitar quando elas acontecem e não insistir nelas quando não acontecem, em outras palavras, esperar que o mundo externo seja sempre bom é ser irracional e ter uma reação emocional sobre algo externo a nós e fora do nosso domínio também é irracional. Um bolo, por exemplo, segundo Epiteto, deve existir indiferença em relação a ele, não deve existir desejo por ele, não deve existir excitação por ele ou irritação por não o poder comer, mas isso leva a uma pergunta, e o direito de o apreciar?
Marcus Aurelius escreveu que: “Devemos considerar a atividade que é possível realizar em conformidade com a nossa própria natureza como um deleite e sempre que é possível” e o filósofo Diógenes diz que: “Dizem que existem três emoções boas: a alegria, a cautela e o desejo”. A alegria, é a contrapartida do prazer, é exaltação racional; a cautela, é a contrapartida do medo, é o veto racional; o desejo é a contrapartida do desejo, na medida em que é a apetência racional. Então, a justificação racional é que se deve comer este bolo, se houver uma abstenção por muito tempo de açúcar, ou se é o aniversário de alguém e isso traz alegria a todos, então tem se o direito e o dever de o apreciar. Esta racionalidade para os estóicos é a única coisa sobre a qual existe controlo, a única coisa que nos torna quem somos, é o único bem verdadeiro e universal.
Emoções rápidas, especialmente emoções negativas e desejos acríticos, são irracionais porque estão em conflito com o mundo externo, que é ordenado de forma natural e fora do domínio humano. Seguir os desejos contra a racionalidade, é desvirtuoso. Ser virtuoso, segundo a doutrina estóica, é viver de acordo com a natureza e é natural que o infortúnio esteja por toda a parte, tudo é perecível, a ambição de coisas e coisas boas que não se pode ter, amigos e familiares que podem não ser de confiança e adoecer ou morrer. O mundo está num estado de impermanência, ou seja, que em todos os momentos é irracional não viver de acordo com a natureza. A consequência é o desapreço das coisas, de amigos, da família e pertences, o que leva à ingratidão, pelo que se torna mais difícil de haver satisfação pelo o que se tem. Os estóicos argumentam que a aceitação do pior é haver gratidão pelo o caminho que se percorre, a que William Irvine chama de visualização negativa no livro “Um Guia para a Vida Boa: A Antiga Arte da Alegria Estóica”. Para viver de acordo com a natureza que pode ser desfavorável a qualquer momento, deve haver preparação, imaginar o pior que pode acontecer, parar um momento para pensar que a comida que se vai ingerir, o abrigo que está sobre a nossa cabeça, a pessoa que se ama, todas essas coisas, até mesmo as nossas próprias vidas, podem acabar amanhã. A ordem natural fará com que as coisas aconteçam para lá de qualquer percepção humana, então, para viver virtuosamente, deve-se aceitar isso. Para reconhecer estas dificuldades, segundo Séneca, ocasionalmente, deve-se viver como se elas realmente tivessem acontecido, deve-se suportar o frio e renunciar a comida ocasionalmente, deve-se praticar o autocontrole e às vezes viver o pior é o melhor caminho para a gratidão pelo que se tem, em vez de querer sempre mais. Epiteto escreveu que: “É impossível que a felicidade e o anseio pelo o que não está presente sejam jamais unidos”. Algumas coisas estão fora do poder humano, por isso a concentração deve ser nas coisas que são domináveis. As opiniões próprias e os impulsos são algo ao qual existe um total controlo, assim como desejos, aversões, enfim, o que quer que seja de domínio próprio. Não existe qualquer controlo sobre o corpo, os próprios bens, a própria reputação, os próprios cargos profissionais ou em tudo o que não existe qualquer poder de ação ou decisão. Portanto, deve-se distinguir entre as coisas que são controláveis, ditas internas, e coisas que não o são, ditas externas.
A preocupação e expectativa de poder influenciar coisas que estão fora do domínio da escolha e da ação própria é irracional e contrário à virtude da natureza. Mas também existem coisas sobre as quais ainda se tem algum poder, como um jogo de tênis, por exemplo. William Irvine chama isto de: A tricotomia do controlo. Mesmo as coisas sobre as quais existe algum domínio, podem ser divididas em partes que se pode controlar e partes que não se pode. No famoso exemplo do jogo de tênis, não existe poder sobre a vitória ou a derrota, mas existe controlo sobre a concentração, o swing, o treino ou o que se ingere antes do jogo. Pensar assim é a chamada internalização dos objetivos. Deve-se colocar fora da mente as coisas que não são controláveis e concentrar apenas nas coisas que o são.
Além das referências estóicas humanas, deixo uma referência estóica de um elemento da nossa natureza, o Mar, apesar de revolto em alguns momentos na sua superfície, o Mar são milhares de km's de paz e tranquilidade. Concluindo, o fundamental é trabalhar e descobrir como viver a vida da melhor maneira possível evitando fazer julgamentos errôneos, evitando ser escravo de emoções e pensamentos negativos e tentar atingir a virtuosidade e a tranquilidade e o estoicismo pode ser uma ferramenta importante para alcançar esse objetivo. Embora seja mais fácil falar do que fazer, para estar preparado para viver de acordo com a natureza, deve-se refletir sobre o próprio estoicismo, é por isso que Marcus Aurelius escreveu as suas “Meditações”, deve-se cultivar as mentes racionais, deve-se pensar ou anotar as coisas nas quais não existe qualquer controlo e que provocam um certo incómodo ou ansiedade. Ver as coisas como certas é algo que costuma acontecer com alguma frequência, e como tal, deve-se decidir o que visualizar negativamente, para as apreciar mais. Devem-se imaginar as coisas infelizes que provavelmente acontecerão. O estoicismo é uma boa maneira de começar a viver, a testar as próprias atitudes e objetivos. O que esta filosofia tem de atraente é o fato de ser de alguma forma flexível, o que não significa uma total resignação a um pessimismo estóico, mas a pensar de uma forma mais eficaz sobre o que está sob o domínio humano e o que não está. Trata-se da arrumação do “quarto” antes de poder ou tentar mudar o mundo e esse poder existe - na liderança sobre a eficácia da comunicação, o quão bem estruturadas estão as próprias ideias e para onde direcionar os esforços e no geral, tendo o conhecimento de como a mente funciona e tendo os modelos necessários para a melhorar, a disposição e a estrutura para recalibrar a perspectiva das coisas existe, o que é algo único num mundo que desvaloriza cada vez mais as humanidades.