O mundo contemporâneo é incrível em vários aspetos, pois vivemos em condições que os nossos antepassados nem sonhavam serem possíveis. No entanto, também vem equipado com um alto nível de ansiedade intrínseca e uma ligeira depressão generalizada devido ao caos vivenciado em certas ocasiões.
A constante corrida contra o tempo deixa-nos psicologicamente exaustos bem como o enfrentar certas situações do quotidiano, baseados em certas ideias erradas, cuja interpretação pode originar esses distúrbios.
Existem algumas particularidades e ideias da nossa sociedade que, na minha opinião, fundamentam esses distúrbios psicológicos. Todas elas têm uma possível solução, que passa muito pela forma como pensamos e agimos perante elas. Nesse sentido, irei dar uma introdução muito generalizada de cada uma delas, não querendo explorar casos muito específicos, porque cada uma delas merece um artigo por si só.
A Meritocracia - "Quase" todos podemos dizer que somos livres e concretizar o que queremos se tivermos talento e energia. A desvantagem desta ideia nobre e liberal é a visão destes dois fatores ser interpretada não como um infortúnio mas como uma falta de talento ou preguiça aguda. Se todos os que estão no topo da cadeia "merecem" o seu sucesso, os que estão abaixo "merecem" todo o seu "fracasso". Se nos consideramos uma sociedade meritocrática, esta transforma o desmérito em uma evidente condenação e torna os de pouca sorte em "fracassados". A solução para esta ausência de fortuna ser amenizada, seria saber que a sorte não depende de talento e esforço e que a tragédia pode acontecer a pessoas boas e decentes e todos temos direito de falhar merecendo compaixão e não desprezo.
O Individualismo - Numa sociedade em que os feitos de um indivíduo são tudo, em que tem como uma das suas premissas o "destino" especial da pessoa, a ideia de grupo e comunidade é desvalorizada. O "comum" torna-se uma maldição. Maior parte de nós , estatisticamente falando, cairá neste grupo dos "comuns" e será associada ao "fracasso". A solução seria valorizar uma boa vida "comum" e todos os seus pequenos prazeres.
O Secularismo - Sociedades seculares tendem a deixar de acreditar em algo maior do que elas mesmas muito devido à evolução cientifica. A religião tem um papel importante em questionar os nossos atos mas agora que não temos "nada" do que temer ou que nos relativize, todos os nossos triunfos ou percalços acabam por se tornar no tudo ou nada. A solução seria relativizar qualquer coisa que nos afete positiva ou negativamente, procurar perceber o porquê de nos afetar tanto e não fomentar tempestades onde só existiria uma chuva inofensiva. Relaxar nos momentos em que ficamos sem "chão" com as bênçãos que nos rodeiam como o mar, o vasto céu de estrelas e a música.
O Romanticismo - A filosofia do romanticismo relata que todos nós temos um par perfeito que nos faça completamente feliz. No entanto, maior parte de nós acaba por moldar-se a alguém que é fantástico em algumas coisas, mas terrível em outras. Isto dá-nos a sensação que estamos num desastre comparativamente à esperança que o romanticismo nos dá. A solução seria perceber que não erramos, mas que fomos encorajados em acreditar nesse sonho pouco provável.
Os Media - A imprensa está presente numa enorme parte do nosso quotidiano, mas diariamente foca na informação que nos gradualmente assusta, apoquenta e enfurece, enquanto nos nega a possibilidade de podermos fazer algo sobre. Tipicamente, evidencia o lado negro do ser humano, deixando o lado bom em ultimo lugar. Em casos mais graves, incentiva a desordem. A solução passaria por notícias concentradas em soluções em vez de alimentar a raiva em problemas sistemáticos e muitas vezes em bodes expiatórios. Isto far-nos-ia relembrar que as noticias que precisamos nascem das nossas próprias experiências.
A Perfeição - Uma sociedade moderna enfatiza que podemos chegar à perfeição e à felicidade constante como individuo. O problema é que todos temos fases infelizes e más na nossa vida e como resultado acabamos por nos odiar e reprimir, tendo a sensação que falhamos e desperdiçamos o nosso tempo. A solução seria realçar que a perfeição não está ao nosso alcance e que todos vamos ter momentos maus. Faz parte da nossa natureza que isso aconteça e que nesses momentos precisamos sempre de bons amigos para poder partilhar os nossos medos e vulnerabilidades. Perceber que nada é definitivo nos que diz respeito às nossas emoções(boas/más).
Para além das ideias que nos são próprias, há ideias sugestionadas que “pairam” no mundo e “entram” na mente humana quando as pessoas deixam de ter tanta firmeza em si próprias.
Questionar e desconstruir estas ideias, permite-nos aproveitar as mordomias da sociedade atual facilitando o caminho para uma vida mais tranquila e cheia de momentos serenos. Merecemos ter piedade de nós próprios pelo preço que temos de pagar por vivermos nos tempos recentes, mas, mais esperançoso, as curas estão disponíveis para nós, individual e coletivamente, se apenas reconhecermos, com clareza, as fontes de nossas verdadeiras ansiedades e tristezas.