Em tempos de covid-19 o que realmente valorizamos? Sem dúvida a vida, o zelo pela vida, e o receio de perder a vida!...
O receio que nos assola enquanto sociedade é também aquele que nos protege, e nos permite ser cautelosos e tomar as medidas necessárias e possíveis para que nos possamos manter seguros, o quanto pudermos.
Mas é esse receio que de certa forma também nos ceifa do direito à vida em si. De ter liberdade, de poder celebrar de forma espontânea e natural as bênçãos que a vida nos concede. Se não por medo, por respeito. Porque é certo que por muito boas coisas que possam acontecer neste tempo, as perdas indubitáveis porque passamos enquanto sociedade, enquanto humanidade, serão sempre as que vamos recordar a longo prazo.
Portanto, nascer em tempo de Covid-19?...
Sem dúvida que nascer com saúde, e sobreviver em tempo de pandemia é uma vitória, uma alegria, uma ode à vida! Mas com um peso que nenhuma mãe ou pai imaginaria…
A chegada de um bebé desejado nunca se resume ao momento da sua chegada, mas a todo o processo de celebração que desde o seu anúncio o envolve.
Poder ir com o pai às consultas e ouvir o batimento do coração, partilhar com a família o crescimento da barriga, poder receber abraços amigos, escolher os detalhes do quarto, das roupinhas… Poder assim que nasce apresentar o novo ser aos que mais se ama e idealizar o que fazer nos primeiros momentos da vida. Sim, da Vida!... Que de certa forma o covid-19 também rouba, mesmo a quem nasce, esse privilégio da Vida como o conhecíamos até então.
Temos e tenho o privilégio de viver num país da Europa, civilizado, sem guerras, seguro! Tenho o privilégio de ter um trabalho, um teto onde me manter em isolamento seguro, compras à porta e medidas de segurança disponíveis que me deixam suficientemente confortável quando tenho de sair. Tenho o enorme privilégio de ter um filho de 5 anos, que nasceu em tempos SEM Covid-19!! E tenho o maravilhoso privilégio de estar prestes a ser mãe de uma menina que nasce em plena crise de Covid-19!... Portugal em estado de emergência. Famílias fisicamente separadas. Consultas adiadas. Celebrações anuladas!
Tenho o privilégio de conhecer uma outra realidade que me permite também sentir triste. Porque sei que quando perguntarem à minha filha em que ano nasceu, será o ano do Covid-19, ponto!
Quando crescer e questionar porque a mãe tem fotos lindas grávida do irmão e dela não, será porque foi o ano do Covid-19. Porque o papá registou na câmara o nascimento, e chorou de alegria quando ouviu o primeiro choro do irmão, e dela não? Porque o irmão tem fotos "de catálogo" com dias de nascimento, emolduradas no quarto, e ela não? Foi no ano do Covid-19…
O primeiro colinho do pai e do irmão quando nasceu, o primeiro beijinho dos avós, a naninha mais fofa que a tia emprestada ofereceu quando veio fazer a primeira visita, o primeiro passeio… Tudo isso ficará anulado ou adiado, explicado e justificado pelo Covid-19!
Serão futilidades? São sim… Claro que sim! Porque agora temos o Covid-19! Ou não seriam…
Escrevi este texto porque as mamãs e papás do período do Covid-19 também têm direito a sentir alguma tristeza e ansiedade. Porque os seus sonhos foram abalados e alterados, e não tem mal nenhum em sentirmos que sim…
O receio de estarmos sozinhas ou deixar as mães sozinhas na maternidade, de nos poderem separar dos bebés, de os podermos infectar ou simplesmente ficarem infectados… de os podermos facilmente perder?!...
Não, não é o que sonhámos!! E os nossos bebés nascem numa altura que não desejaríamos nunca que fosse assim...
Mas nascem!!
Vamos celebrar-lhes a Vida! Com mimos, e dedicatórias, e fotos, e textos, e tudo o mais que nos seja possível para terem um tempo que seja também só deles, e nosso! E que o Covid-19 não nos possa roubar!
Viva aos bebés de 2020! O ano dos nossos bebés!! E nada mais!
Dedicado às famílias.
E à minha Lia, que está mesmo, mesmo prestes a nascer! Em 2020, o ano dela ❤️
A mãe, Eliana
Comentários
Helena Ferrete
Sáb, 2020-04-18 10:47
Que belo texto carregado de sentimento. Realmente o mais importante é a vida! Viva aos bebés de 2020, viva a vida ❤️ Um beijinho
António Ferrete
Sáb, 2020-04-18 22:52
Muita força e amor para as novas vidas que nascem no meio desta pandemia! :) Vão ser os bebés de 2020, os lutadores!! <3
Eliana Faria
Dom, 2020-04-19 16:07
Verdade!! Bebés esperança de um novo ciclo 🙏❤️
Sónia Simões
Dom, 2020-04-19 13:08
Vai ser uma linda e felizarda bebé de 2020 com tudo a que tem direito...com momentos especiais diferentes do irmão...porque nasceu noutro ano...apenas isso...pensa nisto....ela vai ter o privilégio de ter um irmão durante a vida dela...e isso acontece porque nasceu em 2020, não no ano do COVID...se podia ser diferente, podia e pode sempre...uma coisa é certa...ela vai ter uma mãe coragem com um coração do tamanho do mundo...muitas felicidades e vai dando noticias...(permite-me só discordar das fotografias lindas que ela não vai ter...vai ter sim que nós já as vimos!!!!!)
Eliana Faria
Dom, 2020-04-19 16:10
Obrigada querida Sónia! Claro que sim, é só uma ilustração dos tempos actuais, dominados por este tema que nos afecta a todos. Mas será uma bênção recebê-la, independentemente das circunstâncias! 🙏❤️
Um beijinho muito grande para todos!
inarailean
Seg, 2020-04-20 17:34
Obrigada pelo artigo! Também estou quase a ter o meu primeiro bebé e muitas vezes sinto o mesmo. Mas, acima de outras coisas que me deixam muito mais triste nesta altura é a violação dos direitos constitucionais das grávidas. São três direitos da mulher no parto e no puerpério que são agora tão facilmente esquecidos e ignorados: 1. O direito ao acompanhante durante o parto (artigo 16.º e 17.º da Lei 15/2014, de 21 de março) 2. O direito de escolher o tipo de parto de sua preferência 3. O direito à inseparabilidade dos pais e filhos(n.º 6 do artigo 36.º da Constituição). Todos estes direitos foram suprimidos só porque a DGS decidiu assim (sem apresentar argumentos científicos), decisões que contrariam as recomendações da OMS. Estas recomendações da DGS foram emitidas no dia 30 de Março e depois dessa data receberam várias queixas da parte das Associações Portuguesas e da parte das grávidas para que no dia 10 de Abril confirmar que as recomendações 47 e 48 vão ser revistas. Só que estamos já no dia 20 de Abril e nada mudou!
Uma situação de pandemia, como esta, pode deixar qualquer pessoa insegura e cheia de ansiedade mas mais do que a crise, deixa-me insegura a incerteza e a estupidez de alguns orgãos que têm tanta influência nas vidas das grávidas. Se os direitos das grávidas e dos recém-nascidos são violados e suprimidos com tanta facilidade o que podemos esperar amanhã? De qual confiança num estado democrático podemos falar nesta situação?