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A pandemia e a importância das humanidades
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Sociedade
19/04/2020
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Nas últimas décadas temos assistido a uma suposta crise das humanidades, com incidência especial no ensino superior, face ao pretexto que as matérias lecionadas de nada servem nos novos tempos.

As universidades deixaram de fornecer pensadores para a sociedade, para tornaram-se fábricas fordianas de trabalhadores para as empresas. O papel das universidades tem passado por conceber máquinas autómatas e tão cedo este desempenho não mudará.

Hoje deparamo-nos com uma realidade estritamente relacionada com as distopias que todos lemos. Restrições às liberdades, confinamento social, suspensões de democracias e um vírus invisível para o qual ainda não temos solução.

Contudo, os novos tempos apenas relevam evidências antigas e há muito estudadas. Muito mais que uma crise sanitária ou pandémica, lidámos diariamente com escolhas que testam a própria definição de humanidade.

Fechar ou não fronteiras? Que pessoas salvar e escolher as que não têm cuidados de saúde por falta de meios? Obrigar grupos de riscos a permanecer nas suas casas? Salvar pequenos ou grandes comerciantes? Escolher entre o regresso a uma suposta normalidade para salvar o que resta da economia ou prolongar o isolamento social para salvaguardar vidas no imediato?

Todos os dias temos feito escolhas que colocam em causa todos os dogmas fundamentais da nossa sociedade ocidental.

É nesta fase de escolhas que as humanidades surgem como o equilíbrio no meio do pântano social que hoje vivemos. Em primeiro lugar, porque a sua função é questionar, o que é justo ou injusto, o certo e errado, uma dialética constante no processo de decisão. Em segundo, porque muitas destas questões já foram colocadas ao longos dos séculos e continuam a ser estudadas por filósofos, linguistas, politólogos, juristas, sociologistas e muitos outros que fazem parte desta longa família das ciências sociais e humanas. Por último, as humanidades têm sempre com objetivo construir um futuro, mesmo desconhecendo esse futuro, têm o papel de assegurar o que não poderá acontecer. Ou seja, face a um futuro indeterminado as humanidades têm como escopo construir um caminho, questionando permanentemente e apontando o certo ou errado.

Porém, nos novos tempos não queremos questões, apenas queremos avançar sem questionar, sem ponderação no caminho a escolher. A inovação a que assistimos tem como pressuposto a descoberta do Gral das ciências modernas, a verdade final e única.

Todo o que procuramos é reduzir a essência da vida humana a uma formula matemática que compreenda todas as realidades. Qual é o problema desta ambição? É que todas as mulheres e homens são uma realidade em si e há coisas que vivem dentro deles que não é compreensível para os próprios e não o será para uma fórmula.

Num tempo de isolamento vivemos com saudades de um tempo no qual não vivíamos e isto é um paradoxo por várias razões. Temos saudades de ver os nossos amigos, a nossas famílias, as pessoas que gostamos, saudades de sentir o seu toque e ouvir as suas palavras. Mas o que temos verdadeiramente saudade é de comunicar com os outros e a minha geração nem chegou a viver esse tempo.

Temos saudades de ouvir e ser ouvidos, de entender e ser entendidos, de falar e do silêncio, temos saudades da essência humana. Temos saudades da linguagem que nos caracteriza enquanto espécie.

Porque nos últimos anos já não comunicávamos, escrevíamos mensagens curtas com bonequinhos, fazíamos vídeo chamadas com mascarás na cabeça, íamos para o café de telemóvel, deixamos de ler livros, já não falávamos falar ao ouvido.

A pandemia do Covid 19 apenas demonstrou que o caminho está errado, uma evidência que as humanidades há muito apontavam. Deixamos de questionar a verdade, porque questionar a verdade implica muitas vezes reconhecer que não estamos certos e neste mundo tudo é objetivo e claro.

Talvez volte a ser o tempo das perguntas que as ciências humanas comportam. Contudo, é mais fácil viver uma vida sem conhecer a nossa raiz, porque essa está no fundo daquilo que somos enquanto seres e humanidade e nem todos se dão a esse trabalho, a superfície é um fruto simples e apetecível.

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Comentários

António Ferrete

Dom, 2020-04-19 12:27

Que artigo excelente!

Sem dúvida mostrou que estamos no caminho errado. Precisamos de mais humanismo e menos máquinas! Que sirva para acordar quem possa ajudar na reposição daquilo que é normal! 💪

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