Nota: o que vais ouvir, ler ou ver foi produzido pela equipa do Fumaça, um projecto de jornalismo independente, e foi originalmente publicado em fumaca.pt.)
No dia 12 de março, o Estado português assassinou Ihor Homeniuk no centro de detenção do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), do aeroporto de Lisboa. O imigrante ucraniano tinha acabado de chegar a Portugal quando – segundo a conclusão da investigação feita pela Polícia Judiciária – vários inspetores do SEF o espancaram e torturaram durante 20 minutos, antes de o deixarem morrer. E ali ficou, Ihor, de costelas partidas e sabe-se lá mais o quê, durante horas, sem que nada fosse feito e ninguém se pronunciasse, a morrer por asfixia, lentamente.
Apesar da rápida investigação da PJ e da acusação do Ministério Público, que levou três inspetores do SEF a prisão domiciliária, as responsabilidades políticas tardaram. Eduardo Cabrita admitiu, em abril, que este era “um caso inaceitável e uma vergonha para um país que é um exemplo de como bem tratar migrantes, bem acolher”. Mas pouco mudou até nove meses depois da tortura. Só a semana passada se demitiu a diretora do SEF, Cristina Gatões, se anunciou um eventual plano para a reestruturação desta polícia e o Governo decidiu indemnizar a família de Ihor, que não tinha sequer contactado diretamente durante todo este tempo. Já Eduardo Cabrita, continua onde sempre esteve, como ministro das da Adminstração Interna. “Eu fui o primeiro não só a lamentar, fui o primeiro a agir quando muitos estavam distraídos, muitos estavam confinados, muitos estavam desatentos”, disse numa conferência de imprensa, a semana passada. Acrescentou, ainda: “Bem-vindos, bem-vindos ao combate pela defesa dos direitos humanos”. O primeiro-Ministro, António Costa, concorda. Mantém “total confiança” em Cabrita, disse na passada sexta-feira, em Bruxelas, numa conferência de imprensa no final de um Conselho Europeu.
Esta é uma história brutal dentro do SEF. O centro de detenção do aeroporto de Lisboa significa terror e impunidade. Mas o abuso e a discriminação para com imigrantes em Portugal está no ADN da polícia fronteiriça. Alguns imigrantes – os pobres, não-europeus, que não têm centenas de milhares de euros para comprar um visto gold – vêem-se enleados em situações de precariedade, pobreza e, nalguns casos, escravatura. Um ciclo suportado por uma fortaleza burocrática, como reportámos na série “Aquilo é a Europa”, lançada no ano passado.
Foi a propósito dessa reportagem que o Ricardo Esteves Ribeiro fez a entrevista que publicamos hoje, pela primeira vez. Falámos com Anabela Rodrigues (também conhecida como Belinha), dirigente do Grupo Teatro do Oprimido de Lisboa, mediadora na associação Solidariedade Imigrante e candidata não eleita ao Parlamento Europeu pelo Bloco de Esquerda, nas eleições Europeias de 2019 . Falámos sobre políticas de imigração e a – na altura – recente alteração à Lei de estrangeiros, que (pelo menos no papel), facilitava o acesso a título de residente a imigrantes sem entrada legal no país; sobre as dificuldades de regularização de estrangeiros em Portugal; sobre as falhas de Direitos Humanos na Europa; sobre os portugueses que não têm nacionalidade portuguesa e, ainda, sobre os atrasos do SEF em lidar com os processos administrativos e legais de regularização.