Num cenário de pandemia mundial e eventual crise económica como nunca antes vista, não fará sentido adoptar medidas "arriscadas" que nos possa de alguma forma libertar desta "escravidão pós-moderna"?

Imaginemos um cenário em que o Estado cobrisse todas as nossas despesas básicas para viver, o UBI (Universal Basic Income), é a maior ambição sócio-política de que temos conhecimento e pode ser uma resposta à eventual crise que se aproxima. Não existe ainda um consenso sobre o que pode ser definitivamente, mas nos últimos anos vários países estão a reconsiderar várias hipóteses de como podem usar este conceito. Uns consideram como uma alternativa à Segurança Social como nós a conhecemos, outros consideram que pode funcionar junto com a Segurança Social e o mais "arriscado", este rendimento ser tão alto que o "trabalho" se possa tornar opcional.

O conceito de "dar" dinheiro às pessoas de uma forma "gratuita" e livre de impostos, pode levantar muitas questões no que diz respeito à gestão feita com esse capital. O primeiro cenário que se põe, não seria muito provável este capital ser gasto em vícios? Acredito que haverá sempre casos específicos em que sim, mas um estudo do World Bank (referências) mostra que não, bem pelo contrário. Existe sim a evidência que quanto mais ricos, mais probabilidade temos de gastar em vícios do que propriamente se formos pobres (possibilidade de que o UBI só seria algo pouco acima do limiar da pobreza), o que pode provar que é um estereótipo, não uma realidade.

Outro cenário seria a "preguiça" ou a falta de vontade de trabalhar. Um caso prático feito no Canadá revelou que só um 1% da população que recebia o UBI deixou de trabalhar, muitas delas para tomarem conta de crianças. Houve um decréscimo de 10% na carga horária que as pessoas despendiam a trabalhar, muito pela vontade de se dedicarem a outras coisas, como por exemplo voltar a estudar ou procurar empregos melhores. Contudo, poderia haver um grande aumento de pessoas a demitirem-se dos seus cargos, mas acredito que o principal fator seria o de não gostarem do que fazem e não propriamente por preguiça.

O nosso sistema social impõe muitas restrições e promove um comportamento passivo e mantém-nos presos à "pobreza". Obriga a aceitar qualquer posição que apareça independentemente das condições. Na maior parte dos apoios, qualquer cêntimo a mais que se possa ganhar além do apoio, é nos logo retirado reiteradamente. Mesmo para quem arranje trabalho, com todas estas taxas e impostos não temos uma perspectiva de crescimento financeiro optimista. O nosso sistema social pode criar um teto que nos prende e não nos deixa crescer e com isto promove um comportamento passivo. Neste caso o UBI pode ser uma mais valia, pois o rendimento e o vencimento do trabalho juntos poderiam dar um boost significativo às nossas finanças e criaria uma base e não um teto.

Mesmo parecendo o melhor sistema social, será que é viável a nível económico para um país? É uma pergunta que ainda não se sabe a resposta devido a diversidade de culturas e politicas que temos no mundo. Para uns poderia passar por cortar no orçamento militar, outros por aumentar os impostos. Cada país tem o seu caminho para chegar ao seu "UBI". Um estudo nos EUA (referências) conclui que um UBI de 1000 dólares por mês para cada cidadão americano aumentaria o PIB do país em 12% em oito anos, muito devido ao fato de o poder de compra das pessoas mais pobres aumentar o que faria a demanda de bens subir.

Outra questão seria, quem iria submeter-se aos trabalhos precários visto que já não seria "essencial" economicamente? Uma coisa é certa, o UBI permitiria exigir melhores condições nestes cargos específicos, o que poderia causar mais investimento nestas áreas mais precárias e por sua vez mais aliciantes de fazer. A evolução da nossa sociedade alienada com a tecnologia vão fazer com que este tipo de trabalhos não especializados possam vir a ser substituídos por máquinas, o que faz com que o UBI possa ser uma solução e não um problema para quem faz este tipo de trabalho.

Falando dos problemas que o UBI pode causar, um deles seria o grande aumento de influência dos governos, pois seria muito provável o uso deste rendimento como "arma" para discursos populistas para ascender ao poder. Outro seria que este sistema não aborda todos os aspetos de desigualdade existentes na nossa sociedade, um deles seria o arrendamento, pois as rendas oscilam consoante as localizações, o que poderia provocar uma mudança em massa de famílias para fora de grandes superfícies urbanas, o que poderia aumentar as diferenças entre os ricos e os pobres, contudo iria combater a centralização do poder como hoje temos. A inflação também poderia subir devida à elevada procura de bens o que não permitiria um aumento de qualidade de vida a longo prazo. Um rendimento baixo poderia não fazer grande diferença em famílias num estado de elevada pobreza.

“I am now convinced that the simplest approach will prove to be the most effective – the solution to poverty is to abolish it directly by a now widely discussed matter: the guaranteed income.” - Martin Luther King

Concluindo, mesmo com este sistema existiriam pessoas ricas e pobres, regidas por um sistema de meritocracia como temos agora só que psicologicamente mais leves e sem ansiedade de se manterem ativas na sociedade. Não sabemos se o UBI é uma solução, mas sabemos que tem potencial para ser uma das medidas mais sustentáveis para acabar com a pobreza e para aliviar o stress constante em que vivemos, ainda mais nesta altura em que não sabemos quais serão as reais consequências económicas desta pandemia. Poderá ser uma aproximação a uma solução para o elevado desemprego que esta pandemia possa causar num futuro próximo. De realçar que o UBI pode também ser uma aproximação ao que os sistemas sociais nórdicos fazem sem passar um único cheque, mas vai sempre depender da nossa capacidade e vontade de sacrificar algo por um bem maior.